sexta-feira, 28 de junho de 2013

Urbanose



Me tornei um homem comum.
Condutor de ordinárias preocupações
Cotidianas.
Um zumbi em busca de cintilações...
Suando ansiedade,
Respirando o monóxido de carbono
E a poeira das esquinas,
Me consumindo
Para cobrir a nudez do corpo
E a satisfazer as necessidades primordiais
De minhas entranhas,
Procurando saídas difíceis
Num labirinto de edifícios.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Auto Motivo

Um homem no volante
É um rinoceronte enjaulado.
É um soberano sentado
Em seu trono itinerante.
É um cavaleiro andante,
Um Dom Quixote alucinado.

Na condução a agradável sensação
De superioridade.

Conduz algo mais que um carro,
Possui um símbolo de status.
Contempla o asfalto
Como se fosse um Deus, um Zeus
Em seu Olimpo ambulante.
O seu semblante e límpido,
Está se sentido o máximo.

Fábio Murilo, 23.04.2002

O que é Poesia Engajada?

Para os adeptos da arte alienada social e politicamente é suficiente escrever bem, escrever certo. Obedecer a métodos e técnicas. Ser profissionalmente competente e conseguir o retorno financeiro desejado. É a prática da técnica pela técnica. Ser competente é dominar, em um nível de excelência, todas as técnicas disponíveis. O negócio é fazer bem feito para ser admirado, ser reconhecido. Cada verso, cada palavra tem de seguir uma métrica, sonoridade, ritmo, como quem segue um receita de bolo. Rubens Alves diz que:

“Quem escreve não escreve a fim de. Para aquele que cria, sua obra é um fim em si mesmo. A literatura não tem objetivos além de si mesma. O prazer da leitura é seu próprio fim [...] a literatura não tem objetivos pedagógicos. Não tem por objetivo a comunicação de idéias. Ela não é uma forma indireta de inculcar verdades que poderiam ser comunicadas de maneira direta em livros de ciência ou filosofia. Um escritor não escreve para comunicar saberes. Escreve para comunicar sabores. O escritor escreve para que o leitor tenha o prazer da leitura [...]” 

Por este enfoque, é suficiente que a poesia seja bela. As palavras combinem umas com as outras e estejam em harmonia no texto. Basta que a leitura seja agradável e que o livro venda o máximo de exemplares possível, dando ao seu autor fama e dinheiro. Vale, portanto, a indignação de Monet queixando-se de pessoas que perguntavam sobre os significados de seus quadros: “Não pintei quadros para que tivessem sentido. Pintei quadros para que aqueles que os vissem os achassem bonitos”. O problema é que o belo pode servir a todos os senhores, servir a Deus e ao Diabo, mantendo a consciência do artista em paz, como foi, por exemplo, a música de Wagner para o Nazismo.

A poesia do “belo pelo belo” é, portanto, invariavelmente um projeto individual de seu autor. Mais um ato individual em meio a tantos outros atos individuais. Tudo isso faz sentido para a maioria das pessoas justamente porque estamos em uma sociedade centrada numa lógica de valorização do egoísmo. Acima de tudo e de todos, ficam os interesses individuais do cidadão proprietário. É normal pensar em si mesmo. Vale o ditado popular: “Cada um por si e Deus por todos”.

Mas será que não há outra maneira de ver a arte? Será que não há outra maneira de fazer arte? A arte deve ser apenas tecnicamente competente, ou pode/deve apresentar objetivos mais nobres? A arte deve ser vista apenas como mais um produto posto à venda, nesta sociedade de mercado que tudo transforma em mercadoria, ou pode transitar em um campo para além das relações de troca e de propriedade?

É nesse sentido, fazendo estas reflexões acerca da poesia alienada social e politicamente, que alguns poetas fazem um contraponto, apresentando a Poesia Engajada. Quer dizer, estes artistas entendem que a poesia, enquanto expressão artística, não se esgota em si mesma. Não tem como essência cultivar o “belo pelo belo”, ou ser apenas tecnicamente perfeita, dar dinheiro para o seu autor, trazer fama e sucesso.A poesia do “belo pelo belo” é, portanto, invariavelmente um projeto individual de seu autor.

É nesse sentido, fazendo estas reflexões acerca da poesia alienada social e politicamente, que alguns poetas fazem um contraponto, apresentando a Poesia Engajada. Quer dizer, estes artistas entendem que a poesia, enquanto expressão artística, não se esgota em si mesma. Não tem como essência cultivar o “belo pelo belo”, ou ser apenas tecnicamente perfeita, dar dinheiro para o seu autor, trazer fama e sucesso

A primeira característica deste tipo de arte, portanto, é esta: ela não é neutra. Ser um poeta engajado, é ter consciência que estamos em plena batalha por uma sociedade melhor, mais justa, mais humana. Ter consciência de que não é possível ficar alheio, neutro, em pleno cenário de guerra, como se o poeta fosse uma entidade metafísica, cujo corpo não sofresse as mazelas da realidade cruel

A Poesia Engajada, portanto, é instrumento de luta social. O poeta acredita em um mundo melhor e usa a poesia como arma para alcançar seus objetivos. Fazer poesia é defender uma causa. É ser movido por idéias. No mundo da Poesia Engajada não há lugar para os neutros ou indiferentes. Este é um mundo exclusivo dos que possuem a sensibilidade, ou coragem, de se posicionar. Ser engajado é saber se posicionar a favor de um dos lados em luta.


Fonte(s):

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Medo de Viver

Vivo com medo.
Por isso a vida se apresenta
Como uma besta,
Um bicho de sete cabeças,
Uma arapuca
De isca boa e sortida.

Dizem que os animais
Mais perigosos e fingidos
São os mais coloridos...
Porém, nem sempre o individuo
Mais precavido é o que mais vive.
E que o maior perigo
De quem vive com medo
É morrer sem ter vivido.

Fábio Murilo

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Enquanto Não Vem o Final de Semana

Incrustado no cotidiano,
Feito um fóssil na rocha,
Participa, forçosamente,
De um insuportável filme...
Passa o tempo raciocinando 
Necessárias futilidades
E sobrevivendo em números.

Enquanto a mente, sem serventia,
Vai-se atrofiando
E se dissolvendo
Numa geléia cinzenta.

Fábio Murilo, 07.01.93

Cruzou por mim, veio ter comigo numa rua da baixa

Cruzou por mim, veio ter comigo numa rua da baixa

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:

É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem,
e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo! E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo. Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido! Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

Álvaro de Campos