sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Do Caos Primordial


Fastio imenso, falta de motivação,
Outono da existência, até quando?
Ausência de plano, desesperação.
Pássaro engaiolado olhando a amplidão.
Leito vazio de rio, chuva que não vem,
Coisa autônoma que não se doma,
Que não se lança mão, alazão arredio.
 
O processo criativo é lenitivo, é drama,
É uma luta armada com o invisível.
É vício, parto difícil, oficio vão.
Em noite de insônia, lutar com o sono
É a melhor maneira de não dormir.
Adular a inspiração, também, é enfado,
Cão a perseguir o próprio rabo.
 
Fábio Murilo, 31.11.2014
 

No Intervalo do Sono - Dirceu Rabelo

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Apenas um Carinho

 
A palavra vai, se anima e se retrai,
Ensaia voos ousados como ave nova,
Ondas a beijar a areia e voltar pro mar.
Há o anseio e o receio de não magoar,
De não soprar forte e devastar o jardim.
Há todo um cuidado de quem
Manuseia uma cerâmica milenar,
De não pisotear com patas de cavalo.
Aproximação de nave na atmosfera,
Contato de dedos em pétalas de rosas.
Mel nas palavras dengosas a se derramar,
Satisfação de quem possui uma jóia rara,
Extremado modo de se preocupar.
 
Fábio Murilo, 22.10.2014


Aniversário - Fernando Pessoa/Jô Soares

O Valioso Tempo dos Maduros - Mário de Andrade

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Cotidiana Mente


O cotidiano, a rotina assusta, ofusca.
Mandam recados implícitos,
Lembrando da urgência de viver.
A palavra abafada, não dita por prudência,
O ato inibido por recato, intimidado,
Nosso corpo agredido em sua essência.
Mutilado, sufocado o grito,
Insatisfações tantas, restrições,
Avisos, etiquetas, convenções, intervenções,
Sinais vermelhos, anseios abortados, apelos,
Repetidos conselhos, chavões, advertências.
Regras e regras criadas pra nos convencer
Que o crime de viver não compensa.

Fábio Murilo, 15.10.2014

Instantes - Jorge Luis Borges

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Pois é...


Você é tudo que possuo, minha última tentativa, meu elo perdido.
Você é tudo que intuo e aposto todas as fichas, um achado,
Você é a luz no fim do túnel, um mundo encantado.
Horizonte distante, cenário deslumbrante ao olhar embevecido.
Como o sertanejo ao ver o solo rachado anseia pela tempestade,
Como quem conta os segundos de angustias na obscuridade
Desejoso do sol da manhã vindoura, redentora, da claridade.

Vejo-me triste, soturno, pesaroso, desanimado,
Nesse vale perdido, nessa terra de ninguém, nesse chão árido.
É que a razão pesa, as nuvens são de chumbo e o mundo vai desabar.
Falta-me o ar, a angústia me oprime, me aperta o peito feito torno,
Em torno, nada há, só desesperança, o mundo é cruel, é fel,
É um pedregulho girando no cosmo, é um entulho, engulho.
Ser humano é verme, um pouco mais crescido, acrescido de orgulho.
E não vejo beleza no mundo, só um vazio, um rio de silencio,
A desaguar por dentro, a me afogar, a me envenenar pouco a pouco.
Quero falar, mas, minha voz não produz eco, retorno,
Quero vomitar esse ácido que me assassina.

Só em você encontro chão, brisa, relva boa e afável,
Tua mão afaga meus cabelos, acalma meus medos, me anima.
Sua voz é musica agradável, é sinfonia aos meus ouvidos ensurdecidos,
Teu olhar acende meus olhos a muito apagados, entristecidos,
Cegos de tédio, de ver as mesmas coisas, enfastiados.
Tua alegria é uma festa, são rojões no ar, na noite dos meus dias.
Trazes canções inéditas, serestas, serenatas, orquestrações,
Vestida de festa, razões pra acreditar, ar aos pulmões,
Um folego a mais a esse afogado, náufrago de muito tempo.
A se entregar a essa ilusão inocente para não sucumbir,
Apenas pra sorrir um pouco, um riso pálido, inconsequente,
Deixando-se levar pela corrente sem saber aonde ir.

Fábio Murilo, 29.09.2014